A estrada sul-africana identificada incorretamente como 'cemitério' por Trump 1c135r
Presidente americano alegou que cruzes em estrada eram prova de ataques em massa a fazendeiros brancos 693a6e
A P39-1 é um trecho pouco conhecido da estrada estreita que conecta as pequenas cidades de Newcastle e Normandien, na África do Sul, que fica a quatro horas de carro de Joanesburgo. 4f1s2d
Nesta semana, a estrada de mão única, que corta fazendas escondidas nas montanhas da província de KwaZulu-Natal, tornou-se, de forma inesperada, o centro das atenções.
Na quarta-feira (21/05), muitas pessoas na África do Sul e em outras partes do mundo, assistiram ao vivo o momento em que presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, surpreendeu seu homólogo sul-africano, Cyril Ramaphosa, com um vídeo, alegando que pessoas brancas estavam sendo perseguidas no país.
Antes disso, Trump já havia declarado que estava acontecendo um "genocídio" na região.
A cena mais chocante do vídeo mostrava uma imagem aérea de milhares de cruzes brancas na beira de uma estrada — um "cemitério", afirmou Trump, de mais de mil afrikaners assassinados nos últimos anos.
O que o presidente americano não mencionou era onde ficava a estrada, embora o vídeo tenha sido rapidamente associado à Normandien. Mas as pessoas que moram na região sabem melhor do que ninguém que a afirmação é falsa.
A BBC visitou a região na quinta-feira (22/05), um dia depois do embate no Salão Oval, na Casa Branca, e descobriu que as cruzes na estrada P39-1 desapareceram há muito tempo.
Não há nenhum cemitério, e a estrada é como qualquer outra. Um novo moinho de grãos foi construído em um trecho onde as cruzes ficaram por um breve período.
O que a BBC encontrou foi uma comunidade surpresa por se ver no centro das atenções — e uma verdade sobre as cruzes que revelam muito sobre o delicado equilíbrio de relações entre raças na África so Sul.
A história por trás das cruzes fincadas na beira da estrada 1b3m5v
Roland Collyer é fazendeiro da comunidade afrikaner da África do Sul. Ele contou que foi o assassinato de seus tios Glen e Vida Rafferty — espancados em casa até a morte há cinco anos — que levou à fixação de cruzes na estrada.
A morte do casal, que foi assassinado por criminosos que roubaram objetos de valor, gerou forte comoção na comunidade, e levou outros afrikaners a fincar, temporariamente, algumas cruzes na beira da estrada. O objetivo era chamar atenção para esse e outros assassinatos de fazendeiros em todo o país.
"O vídeo que vocês têm visto foi feito nessa parte da estrada", disse Collyer. Apontando para baixo da colina, na direção de uma vila onde muitas famílias negras vivem em casas de barro, ele explicou:
"Havia cruzes nos dois lados da estrada, representando as vidas que foram tiradas em fazendas, nos assassinatos rurais. Desde a ponte lá embaixo até o ponto onde estamos agora. As cruzes eram simbólicas, representavam o que estava acontecendo no país."
Collyer continua trabalhando na fazenda na região, mas disse que seus primos deixaram o local depois que os pais foram assassinados. O mais novo, segundo ele, se mudou para a Austrália, enquanto o mais velho vendeu tudo, abandonou a vida na fazenda e foi morar na cidade.
Um dos vizinhos do casal assassinado, o empresário Rob Hoatson, contou à BBC como organizou as cruzes para dar visibilidade ao caso.
"Não era um cemitério", explicou, dizendo que Trump costuma "exagerar", mas acrescentou que ele não se importava com a imagem das cruzes sendo usada. "Era uma homenagem. Não era um memorial permanente, mas temporário."
Violência e tensão racial a316j
Muitas pessoas ainda vivem preocupadas com seu futuro na África do Sul, que tem uma das maiores taxas de homicídio do mundo.
Em 2022, dois moradores da região, Doctor Fikane Ngwenya e Sibongiseni Madondo, foram condenados pelo assassinato dos tios de Collyer e por roubo, sendo sentenciados à prisão perpétua e 21 anos de reclusão, respectivamente.
Para muitos na comunidade local, esse foi um raro ato de justiça, em um país onde milhares de assassinatos permanecem sem respostas — realidade que o presidente Ramaphosa destacou ao dizer a Donald Trump que a África do Sul ainda não conseguiu controlar sua taxa crescente de criminalidade.
O assassinato de Glen e Vida Rafferty desencadeou um período de tensão racial acentuada na região. O ministro da Polícia da África do Sul foi obrigado a visitar o local para tentar acalmar os ânimos, em meio a protestos de afrikaners e denúncias de alguns membros da comunidade negra sobre maus-tratos por parte de fazendeiros brancos.
Em meio a tudo isso, Collyer diz que, apesar do uso equivocado do vídeo do memorial da sua família, ele fica satisfeito por Trump estar chamando atenção para os ataques a fazendeiros brancos.
"Tudo aquilo foi feito para gerar cobertura da mídia internacional", afirma. "E para que as pessoas entendessem o que nós realmente estamos ando, e a vida que somos obrigados a levar aqui, na África do Sul."
"Uma pessoa precisa entrar em casa antes de escurecer, você vive atrás de cercas elétricas. Essa é a vida que nós estamos levando no momento, e ninguém quer viver uma vida desse jeito", destacou.
Os medos de Collyer são semelhantes ao de muitos sul-africanos, de todas as raças, em um país que registrou mais de 26 mil assassinatos em 2024. A imensa maioria das vítimas é negra, segundo especialistas em segurança.
Trump ofereceu asilo para todos os afrikaners, tendo o primeiro grupo, com 49 pessoas, chegado a Washington no início de maio. Mas Collyer diz que vai ficar em Normandien e não tem intenção de deixar a África do Sul.
"Não é fácil deixar pra trás tudo o que meu pai, meu avô e meu bisavô construíram, com tanto esforço, para que eu pudesse continuar esse legado", afirma.
"Essa é a parte mais difícil: fazer as malas depois de tantas gerações e tentar deixar o país."
"Infelizmente, os afrikaners brancos acabaram carregando o peso de ser 'boer' (fazendeiro) na África do Sul, mas, neste momento, eu definitivamente não penso em ir embora. Ainda amo demais esse país."
Mas ele deixa uma mensagem de otimismo para o futuro. "Eu acho que se nós simplesmente dermos as mãos, e acredito que haja mais do que pessoas suficientes neste país, negros e brancos, dispostos a se unir, nós podemos fazer desse país um sucesso."
'Nada disso está acontecendo aqui' 546y8
Há muitos outros, na comunidade local, para quem a agricultura é uma herança de gerações.
Ao longo da estrada, em direção à cidade de Normandien, mora Bethuel Mabaso, 63 anos. Ele cresceu na região e disse que ficou surpreso quando soube que sua comunidade tinha virado notícia internacional, principalmente por ter sido citada por Trump como "prova" de perseguição a fazendeiros brancos.
"Nada disso está acontecendo aqui", afirmou na língua nativa zulu.
"Nós ficamos chocados, enquanto comunidade, quando os assassinatos aconteceram, e muito tristes pela família. Eu moro aqui desde que eu era um garoto, e esta é uma região tranquila. Nada parecido aconteceu aqui desde então."
Nos anos seguintes ao assassinato do casal de fazendeiros, alguns trabalhadores rurais negros denunciaram a polícia local por não atender com a mesma urgência casos envolvendo pessoas negras.
Mbongiseni Shibe, 40 anos, também é trabalhador rural na região. Ele diz que os conflitos entre fazendeiros e seus funcionários, em sua maioria negros, costumam ser resolvidos por meio de conversas.
"Se não funciona, aí chamamos a polícia", afirma. "Geralmente há incidentes como nosso gado entrando nas plantações deles, e a polícia nos ajuda a recuperar e vice-versa."
O ado violento de segregação racial da África do Sul não é ignorado por Shibe, que entende o quão delicadas são as questão raciais na região.
"Viemos de um ado difícil neste país convivendo com pessoas brancas. Lembro daqueles tempos de abuso, mesmo quando criança, nas fazendas aqui", diz.
"Mas nós deixamos isso para trás, e não usamos o que aconteceu para punir ninguém."
Contribuição de Ed Habershon.