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'Françafrique': o conceito que ajuda a entender o sentimento anti-França que se espalha na África 4l1gf

Criado por Charles de Gaulle no contexto de formação de uma comunidade franco-africana, hoje "afrique" é o nome dado à rede de proteção e promoção dos interesses neocoloniais ses na África 4v3q4

29 mai 2025 - 19h30
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Paris conseguiu obter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 1945, por dois motivos específicos: devido à importância do seu império colonial, que permanecia considerável na época, e pelo papel das Forças sas Livres durante a Segunda Guerra Mundial. o6t2u

Assim, para que a França continuasse a ser considerada uma potência após a emancipação desses territórios, Charles De Gaulle acreditava que era necessário manter a influência sa sobre a África francófona e que o país permanecesse como o principal garantidor do equilíbrio de poder na região subsaariana do continente.

Na mentalidade diplomática da França na época, a África era seu quintal. E o país europeu, neste contexto, seria um mediador externo credenciado a negociar e resolver os conflitos dos africanos.

Desde então, para os líderes políticos ses a África é um recurso que deve ser cuidadosamente nutrido e que constitui uma base natural para o país em tempos difíceis, como foi na Segunda Guerra Mundial: a França se reagrupou e reconstruiu seu exército no Gabão, Chade e Argélia de 1940 a 1943.

Sentimento anti-francês é crescente nas últimas décadas 44e2r

Agora, nos últimos anos, um sentimento anti-francês tem emergido no continente africano. Em acontecimentos políticos vividos recentemente, golpes de Estado foram promovidos sob a justificativa de afastar a influência sa e políticos locais supostamente simpáticos a ela. Tal sentimento tem até mesmo colaborado para a penetração russa na África.

Como discutiu um documentário produzido pela rede de tv Al Jazeera, muitas campanhas recentes de desinformação impulsionadas pela Rússia no continente são baseadas em informações contra a França.

Neste contexto, "Françafrique" é o nome dado à rede de proteção e promoção dos interesses neocoloniais ses na África, numa tentativa de jogar luz sobre o sentimento de aversão à França que se espalhou no continente nos últimos anos.

Três derrotas militares ocorridas entre as décadas de 1940 e 1960 provocaram uma revisão das estratégias de colonização sas e moldaram o futuro relacionamento entre a nação europeia e seus antigos territórios africanos: a capitulação diante da Alemanha nazista, em 1940; a guerra da Indochina, onde os ses foram derrotados na batalha de Dien Bien Phu, em 1954, e forçados a abandonar a então colônia, que compreendida os atuais Vietnã, Camboja e Laos; e a guerra da Argélia, que resultou na independência do país.

Este último conflito, especificamente, causou uma divisão política na França que levou, em 1958, ao colapso da Quarta República. A solução para esse racha foi o regresso ao poder do "salvador" do país durante a Segunda Guerra Mundial, o general Charles de Gaulle, como única alternativa às ameaças combinadas de guerra civil e de golpe militar.

A comunidade franco-africana de De Gaulle 4m3zm

Com o objetivo de manter sua esfera de influência colonial ando uma imagem de respeito aos ideais da Revolução sa, De Gaulle propôs a formação de uma comunidade que incorporaria a África Ocidental sa e a África Equatorial sa com mais autonomia dentro do Império Francês.

A sua concepção pessoal sobre a "Françafrique" foi traduzida em seu projeto de criação de uma Comunidade franco-africana. Além disso, alguns líderes nacionalistas africanos francófonos pensaram que se pudessem compartilhar da criação de uma nova França, também teriam uma parte em seu eventual sucesso.

O ponto de partida desta proposta gaullista foi a aprovação da "Loi-Cadre" em 23 de junho de 1956. A Loi-Cadre concedeu mais autonomia às colônias e, assim, abriu caminho para que elas buscassem sua independência política, através do estabelecimento de um legislativo e um executivo territorial, um serviço civil independente e sufrágio universal adulto para cada uma das colônias na África Ocidental.

Embora a Loi-Cadre concedesse autonomia política relativamente ampla, a autoridade colonial ainda mantinha poder sobre áreas importantes da vida nacional dos territórios ocupados, como, por exemplo, política externa, defesa e segurança, comunicação e educação superior em todos eles.

Posteriormente, ocorreu o referendo de setembro de 1958 que, embora oferecesse formalmente a opção da independência política imediata, a desencorajava fortemente. No pleito, todos os territórios africanos sob controle francês votaram a favor da Communauté Franco-africaine, exceto Guiné.

O processo de descolonização 636i1b

No entanto, após a emancipação de Gana em março de 1957 e da Guiné em outubro de 1958, a independência política tornou-se irresistível. Em agosto de 1960, praticamente todas as ex-colônias sas africanas haviam retomado sua autodeterminação.

Com o processo de descolonização e o desmantelamento da Quarta República, a França vê como alternativa para não perder o seu status de potência mundial cultivar uma relação "familiar" com as antigas colônias africanas. As independências não apagaram os laços do colonialismo, que, em vez disso, foram remodelados em forma de redes.

O que é a "Françafrique" 473t1y

Criada pelo General Charles de Gaulle e pelo seu braço direito para os assuntos africanos, Jacques Foccart, a "Françafrique" é um conjunto de redes opacas, composta por agentes ses e africanos, destinada a utilizar recursos africanos para financiar partidos políticos e campanhas eleitorais na França.

Em troca, os aliados africanos recebem apoio militar e diplomático, e se comprometem a defender os interesses ses em organizações internacionais, particularmente na Organização das Nações Unidas (ONU).

O termo "Françafrique" foi cunhado pelo primeiro presidente da Costa do Marfim, Félix Houphouët-Boigny, em 1973. Houphouët-Boigny foi membro do governo de Félix Gaillard e participou ativamente da formação da rede de influência sa nas suas antigas colônias em África.

A "Françafrique" é frequentemente vista como o exemplo perfeito de clientelismo internacional. Nela, o papel dos laços familiares na relação com suas antigas colônias, mesmo nos níveis mais altos do poder estatal, é proeminente. Um exemplo notório disso é o caso dos diamantes que o líder do hoje extinto Império Centro-Africano, Jean-Bédel Bokassa, teria dado de presente ao presidente francês Valéry Giscard d'Estaing, em 1973.

A evolução relações entre França e África nas últimas décadas 58221t

Atualmente, a influência sa na África é exercida majoritariamente por meio de ajuda e cooperação. Na visão daqueles que trabalham no campo da cooperação e desenvolvimento, a política africana da França tornou-se marcada por práticas contraproducentes e hábitos antiquados. Longe de incentivar as economias locais e melhorar o nível de vida das pessoas que supostamente se beneficiariam desses gastos, a assistência pública é amplamente alocada em projetos que não apenas não contribuem para o desenvolvimento, mas que, em certas ocasiões, servem até para impedi-lo.

Projetos de grande porte são istrados de acordo com a racionalidade econômica de empresas privadas, que usam créditos públicos para realizar atividades sem qualquer controle. Assim, os chamados "elefantes brancos" proliferam. Um estudo realizado em 1985 estimou que de 343 grandes projetos apoiados pela França em África, 195 funcionavam mal e 79 foram simplesmente interrompidos.

Ao mesmo tempo, esses projetos de "desenvolvimento" geralmente levam a um círculo vicioso de dívidas vinculadas a créditos adiantados. Isso conduz a uma dependência de credores internacionais que gastam uma proporção cada vez maior de seus recursos tentando sustentar as contas públicas dos Estados africanos. Por volta de 1995, cerca de 20% da ajuda bilateral sa costumava ser alocada por seus parceiros africanos para pagar suas dívidas.

A estrutura governamental que rege as políticas de ajuda e desenvolvimento internacional da França é um labirinto. São duas as consequências desse emaranhado institucional: rivalidade e obscuridade. Cada organização zela pelo seu próprio domínio, certificando-se de que seus vizinhos não invadam suas prerrogativas. Por exemplo: quando a Namíbia conquistou sua independência, as estratégias do Ministério da Cooperação e do Ministério das Relações Exteriores competiram entre si. Isso foi resolvido tornando a Namíbia responsabilidade do Ministério da Cooperação, ainda que o Ministério das Relações Exteriores tenha continuado a executar seus próprios programas.

Essa competição entre organizações torna o processo quase secreto, já que nenhuma pessoa consegue desenvolver uma compreensão precisa das diversas ações tomadas em um ambiente tão disperso.

A cada ano, durante a votação das finanças no parlamento francês, aqueles que apresentam o orçamento da ajuda internacional observam que, a partir das contas oficiais apresentadas, é impossível chegar a um montante preciso.

A "Françafrique" atingiu o seu auge entre a década de 1960 e o fim da Guerra Fria. Os EUA viam a presença da França numa região com a qual tinha poucos laços como uma boa forma de os aliados impedirem um possível avanço do comunismo vindo do leste.

Como definido por Guy Martin, o país europeu era percebido como um proxy do ocidente em África. Também, a África poderia atuar como uma possível base de retaguarda para os exércitos ses e outros exércitos europeus no caso de uma derrota convencional das forças aliadas para os exércitos do Pacto de Varsóvia na Europa.

Além disso, os Estados africanos, por sua vez, percebiam a França, de modo geral, como uma potência média respeitável, livre da hegemonia das superpotências, verdadeiramente não alinhada e, portanto, uma aliada natural do Terceiro Mundo.

A crise dos últimos anos 1c1bx

Hoje a "Françafrique" vive um momento de crise: entre 2022 e 2024 os governos do Mali, Burkina Faso, Níger e Chade demandaram a expulsão de tropas sas em seus respectivos territórios. Em 2025 foi a vez dos governos da Costa do Marfim e do Senegal anunciarem o mesmo, e optarem por encerrar a presença militar sa dentro de suas fronteiras em um movimento que ganhou o nome de Frexit, em alusão ao Brexit, o movimento de saída do Reino Unido da União Europeia.

Tal crise pode ser explicada por três motivos. Primeiro, a estafa dos próprios povos africanos com as diversas décadas de exploração colonial e neocolonial sas: para que se tenha uma ideia, houve 43 intervenções militares na África subsaariana francófona entre 1960 e 2008.

Em segundo lugar, por uma mudança de orientação da maior potência mundial, os EUA, para com o continente africano a partir da década de 1990: como explicado, a "Françafrique" atingiu o seu auge entre a década de 1960 e o fim da Guerra Fria em partes porque os EUA viam a presença da França numa região com a qual tinha poucos laços como uma boa forma de os aliados impedirem um possível avanço do comunismo vindo do leste. Após o fim da Guerra Fria, a presença sa já não é mais tão necessária e estratégica.

E, por último, pelo surgimento do Sul Global como um polo diplomático e econômico, o que diminuiu a dependência de países africanos de parceiros e parcerias econômicas calcadas nas velhas relações coloniais. Potências ocidentais, como França e EUA, perderam espaço para os países do BRICS (principalmente China e Rússia). Atualmente, os laços econômicos entre a África francófona e países como China, Índia, África do Sul e Alemanha prevalecem, enquanto as exportações sas diminuíram de 11% para 5,5% entre 2000 e 2018. Em algumas nações específicas a queda é maior, como no caso do Senegal em que a participação sa atingiu 2,5%.

The Conversation
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Foto: The Conversation

Felipe Antonio Honorato já recebeu bolsa da CAPES para fazer estágio doutoral (período sanduíche) no exterior. O auxílio foi recebido entre os anos de 2023 e 2024.

Guilherme Silva Pires de Freitas já recebeu financiamento do Programa de Apoio à Pós-graduação (PROAP)/CAPES para o custeio de participação em dois congressos no exterior: Congresso Latin American Studies Association, em Vancouver/Canadá e Congresso Mundial de Ciência Política, em Buenos Aires/Argentina, ambos em 2023.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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