Por que a Bolívia virou o principal esconderijo de chefões do PCC n1358
Proximidade com fornecedores de droga atrai líderes da facção; Tuta foi preso este mês após usar documento falso 6y6fg
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A Bolívia, maior produtora da cocaína trazida ao Brasil pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), é também o principal "refúgio" de chefes da facção, segundo o Ministério Público de São Paulo (MP-SP). "Tornou-se um 'hub' para esconderijo de criminosos", afirma ao Estadão o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, que há 20 anos investiga a organização criminosa.
Ex-nº 1 do PCC nas ruas, Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, foi preso no dia 16 em Santa Cruz de La Sierra em operação de autoridades bolivianas em conjunto com a Polícia Federal.
A reportagem também não conseguiu localizar as defesas de Forjado, André do Rap, Cebola, Mijão e Chacal.
"Forjado e Chacal hoje são os dois principais nomes do PCC. A Sintonia Final ainda existe, com o Marcola (Marco Willians Herbas Camacho), mas, como estão em liberdade, têm certa autonomia", diz Gakiya.
"Eles têm maior liberdade para poder circular inclusive em São Paulo, já que não possuem mandado de prisão em aberto", continua o promotor, que integra o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP-SP.
Ao menos Forjado, Mijão e Chacal são integrantes da Sintonia Final, a mais alta cúpula da organização criminosa. Apesar de ter perdido poder nos últimos anos, Tuta também faz parte do grupo, apontam as investigações.
"Tudo a por eles. Desde a questão do gerenciamento do tráfico até a gestão do contato com fornecedores e compradores da Europa. Ou mesmo ordens para punir outros integrantes do PCC, que às vezes acabam mortos", descreve Gakiya.
'De alguns (líderes do PCC) a gente tem até o endereço' 15c3q
A opção por ficar na Bolívia se dá em razão de uma soma de fatores, dizem as autoridades. Um deles é que, por conta de o país vizinho ser o principal fornecedor de cocaína para o PCC, integrantes da facção têm contatos próximos com criminosos de lá, o que funciona como uma rede de proteção.
Dificuldades de cooperação entre Bolívia e Brasil, além de redes de corrupção policial já estabelecidas no país vizinho, também são apontadas como razões.
"Sabíamos que esses indivíduos estavam lá. De alguns (líderes do PCC) a gente tem até o endereço, mas não conseguia nenhum apoio da polícia da Bolívia", diz Gakiya.
Procurados pela reportagem, o governo boliviano e a Embaixada do país no Brasil não se manifestaram até a publicação do texto.
O promotor cita que Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, viveu por cerca de duas décadas na Bolívia antes de ser preso em Moçambique, em 2020. "Morava em Santa Cruz de La Sierra, tinha fazendas e andava inclusive com proteção de militares que, evidentemente, foram corrompidos", afirma.
São casos assim que ajudam a entender como o país se tornou "hub para esconderijo de criminosos" do PCC, afirma Gakiya.
"Tanto é verdade que a prisão do Tuta se deu porque ele estava tão tranquilo com a situação na Bolívia que foi voluntariamente a um posto do governo para renovar a identidade estrangeira", diz. "Não é que foram procurá-lo: ele foi para lá e acabou descoberto."
Na Bolívia, os megatraficantes também levam vida de luxo, com grandes propriedades e uma frota de aeronaves para deslocamentos de negócios e de lazer, como idas a praias do Nordeste. Décadas atrás, o Paraguai era o destino mais comum desses criminosos - Marcola foi preso em São Paulo, em 1999, quando voltava desse país, onde havia comprado uma fazenda.
Na avaliação de autoridades consultadas pelo Estadão, por ter se dado em contexto específico, a prisão de Tuta não exatamente indica novo momento na cooperação entre os países. De toda forma, pode gerar temor entre outras lideranças.
"É uma prisão importante, que certamente terá reflexos dentro da facção. Inclusive pelo receio de outras lideranças que estão na Bolívia de que isso possa acontecer com elas também", afirma o promotor de Justiça Silvio Loubeh, que atua pelo Gaeco em Santos. "Fica todo mundo com a 'pulga atrás da orelha'."
Além de ível pelo Brasil, estar na Bolívia permite aos traficantes ficarem próximos de fornecedores de outros produtores de cocaína, como Peru e Colômbia. Loubeh cita também um histórico de corrupção policial no país vizinho, o que permite aos criminosos driblar fiscalizações.
Segundo o promotor, investigações apontam que hoje a Bolívia abriga não só a alta cúpula do PCC. "Também há criminosos da Baixada Santista. Atuam no tráfico, mas não são pessoas com essa importância para a facção", afirma.
O PCC lucra cerca de US$ 1 bilhão ao ano, estima o MP-SP. As drogas são compradas de vizinhos, como Bolívia e Peru, e têm a Europa como principal destino, apesar da ampliação de rotas secundárias, como na África e na Ásia.
Tuta foi principal elo do PCC com a máfia italiana 1w24r
Preso há quase uma semana, Tuta foi "o principal interlocutor do PCC com a máfia italiana", com costura de importantes acordos com a 'Ndrangheta, segundo Gakiya. "Também ajudou a construir associações com outras máfias, além de auxiliar no contato com os fornecedores na Bolívia. É um ator importante", afirma.
Investigações apontam relação próxima com o mafioso italiano Rocco Morabito, preso em 2021 em um flat em João Pessoa. "Há várias conversas entre os dois", diz o promotor. "O acordo entre o PCC e a máfia italiana já existe há vários anos e continua em pleno vigor."
Conforme Gakiya, Tuta chegou a ser alçado a nº 1 do PCC nas ruas em 2019, em meio a transferências de lideranças para presídios federais. Anos depois, porém, perdeu prestígio, sob acusação de ter mandado matar outros integrantes do PCC por motivos que não se comprovaram.
O promotor afirma que a facção espalhou a informação falsa nos últimos anos de que Tuta estava morto, mas tudo não teria ado de estratégia para que o MP e a Justiça não o incomodassem durante a elaboração de um plano de fuga para libertar Marcola, preso desde 1999.
Tuta foi condenado pela Justiça de São Paulo no ano ado a 12 anos e seis meses de prisão por lavagem de dinheiro e associação criminosa, resultado da Operação Sharks, que investiga como o PCC lava o dinheiro obtido com o tráfico e outras atividades criminosas — cerca de R$ 1,2 bilhão foram enviados para o exterior com a ajuda de Tuta.
Ele também foi alvo de mandados de prisão em 2020 e em 2023 na mesma operação, mas nunca foi encontrado. Segundo apurou a Corregedoria da PM paulista, Almeida foi uma das pessoas que recebiam informações privilegiadas de policiais da Rota sobre operações que ainda seriam deflagradas. Os detalhes do esquema foram revelados após a morte do delator Antônio Vinícius Gritzbach, em novembro de 2024, no Aeroporto de Guarulhos.
Tuta já foi adido comercial do consulado de Moçambique em Belo Horizonte. O país africano se tornou alternativa de rota do tráfico nos últimos anos. Em 2021, a PF apreendeu 5 toneladas de cocaína no porto do Rio de Janeiro. A droga faria escala em Moçambique e teria a Espanha como destino final./COLABOROU PEDRO AUGUSTO FIGUEIREDO
